A mim foi dado o direito de nascer,
maior do que o direito de viver. Nasci de um branco. Meu pai é um coronel de
grande poder. Ele não resistiu a beleza (o encanto) de uma mulher preta e viveu
um grande amor. E desse amor eu nasci. Eu fui planejada, amada; mas nunca
aceita pela sociedade a qual meu pai fazia parte. Nem o seu nome eu pude levar
(trazer) comigo. Imaginem! Uma negra tem o nome “Marques Rosa”. Sabe, era tão
fácil carregar este nome, porque a Rosa não pesa jamais...
Cresci; cresci frustrada, cheia de
preconceitos. Fui crescendo, crescendo, crescendo e a cada dia era mais
rejeitada, odiada, descriminada. No amor? Ah, eu também amei. Eu sei amar
também. Só que eu amei um branco. Que destino! Juro que não tive culpa de amar.
Era um amor tão bonito, mas sofri tanto com esse amor. A família dele não me
aceitava.
No trabalho, às vezes trabalhava como
doméstica, aliás, trabalhava ‘como uma burra’. E ainda era maltratada! Até a
comida era diferente. Não tinha um descanso. Na escola, sempre fui a melhor
aluna, em nota e comportamento. Mas nunca me deram oportunidade de fazer alguma
coisa. Meu sonho era me formar. Como?
Tinha muito desgosto quando via meus
irmãos brancos, estudando nos melhores colégios, nas melhores universidades em
outros países. Com muita luta,
sofrimento, consegui chegar a faculdade. Mais um sofrimento. Muitas vezes eu ia
estudar sem me alimentar. Às vezes quando chegava em casa tomava uma garapa de
açúcar ou de rapadura.
Na faculdade, encontrei mais força
para continuar a luta para viver no mundo tão radical. Conclui, cheguei até a
defender tese. Hoje sou formada, busco um emprego melhor, mas só encontro
portas fechadas. Fiz vários concursos, e em todos passei, mas nunca fui chamada
(eu acho que olhavam o meu retrato no cartão de inscrição).
Desempregada, volto a minha terra
natal em busca de um emprego. E cansada da viagem, vou dormir. Durmo, durmo, e quando acordo, vejo um
lindo dia. Vou à rua e vejo que mudou muita coisa, principalmente em termos de
progresso: é rádio, praças lindas, teatro, clubes de serviço...
Depois fui procurar os amigos. E
quando vou andando, vejo muita gente conversando em grupinhos... Ando e vejo
outro grupinho... Daí, paro e me aproximo de um desses grupinhos e fico sabendo
que assassinaram mais um Negro. Mais tarde vejo muita gente prestando
homenagens, muita gente chorando, outras olhando quem chora mais. A polícia na
casa vítima... E em conversa pergunto: Quem matou?... Mas ninguém responde. No
dia seguinte alguém me mostra o criminoso na rua. É a nova Lei!
(texto
escrito na década de 1990)
Por:
Maria das Graças Silva – Professora de História
Catolé
do Rocha-PB – Contato: mgshistoria1991@hotmail
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